de Débora da Silva Lopes dos Santos[1]
O diálogo como caminho
Quando fui convidada a contribuir com o EducaMuseu pensei de imediato em uma temática que pudesse além de promover uma reflexão a cerca de atividades que estão sendo promovidas com o foco no sujeito da Educação de Jovens e Adultos dentro dos museus, contribuísse com a prática de dezenas de professores que atuam na EJA e que buscam todos os anos os museus com mais diversos objetivos.
Atualmente participando mais ativamente de eventos no campo dos museus e na educação muitos colegas educadores me questionam sobre como tenho conseguido estreitar minha relação com os museus, na prática enquanto professora, desenvolvendo projetos em parceria e os caminhos que percorri que possibilitaram esse diálogo; pensando especialmente nesta questão, neste texto tentarei apontar, através dos dois projetos realizados recentemente com museus, como se estabeleceu meu diálogo com ambas as instituições- o que pode sugerir um caminho para futuros eventuais contatos mais estreitos entre os colegas professores e a instituição museu.
No ano de 2014 escrevi o projeto “EJA: Discentes mediadores no espaço museal”, o mesmo previa a formação de discentes da EJA para atuarem como mediadores em visitas de colegas da mesma modalidade de ensino. Em uma perspectiva sociocultural o projeto previa um investimento na relação entre discentes e colocava o sujeito da EJA no lugar de protagonista não apenas na atividade de mediação, mas também na elaboração e planejamento dela. Essa produção era reflexo do contato direto com educadores que atuavam no espaço escolar e em espaços de educação não formal e também de um mergulho em estudos sobre educação e museus, resultado da formação que vinha realizando no curso de Pós-Graduação em Educação Museal promovido pelo Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro ligado à FAETEC em parceria com os Museus Castro Maya e o Museu da República, instituições sob tutela do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM).
O projeto ainda embrião foi colocado primeiramente à prova quando solicitei que um dos meus professores, educador de museus com experiência de anos no campo, analisasse e verificasse a pertinência do mesmo. Mais tarde, acreditando mais fortemente na ideia e tendo tido incentivo e apoio inicial do primeiro professor para investir tempo e esforço naquele projeto mostrei para um segundo professor, nesse caso uma professora, também educadora de museu com larga experiência. Dessa segunda vez o incentivo foi além e a professora, uma das coordenadoras do curso de Pós-Graduação em Educação Museal, pesquisadora do Museu da República, intermediu uma reunião entre mim e a Diretora do referido museu, Magaly Cabral.
Um trabalho desenvolvido em parceria não é nada fácil, inicialmente se pensarmos na diversidade de formação dos diferentes agentes envolvidos, tanto mais se pensarmos em duas instituições em níveis diferentes- era um “contrato” entre uma instituição federal e outra municipal. Após meses de burocracia, muitas reuniões com os diferentes envolvidos o projeto saiu do papel. Não entrarei em detalhes maiores sobre o projeto[2] porque esse não é nosso objetivo neste texto, destacarei o caminho trilhado: foi através de um espaço de formação, o curso de Pós-Graduação em Educação Museal, que não apenas encontrei os sujeitos que contribuíram para que eu afinasse minha ideia inicial, mas colaboraram diretamente para que algumas portas se abrissem. Foi na crença de que tinha em mãos algo relevante que me expus diversas vezes, fui “avaliada” por diferentes sujeitos e me coloquei à disposição de trilhar o caminho até o fim, encontrasse o que encontrasse durante a caminhada.

Imagens da visita mediada por discentes da EJA no Museu da República.
Há poucos meses atrás realizei a minha mais recente parceria com outro museu. Trabalhando desde 2016 o tema Mulher, com os sujeitos da turma em que trabalho no Programa de Educação de Jovens e Adultos da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, percebi que esse era um tema que não havia se esgotado naquele ano e muito alunos apontaram a necessidade urgente de continuar nessa temática. No projeto realizado em 2016, em parceria com alguns colegas da unidade escolar onde atuo, provemos ações que permitissem uma reflexão sobre os direitos das mulheres e para isso convidamos profissionais com formações diversas que pudessem trazer contribuições à temática no espaço escolar.
Para o ano de 2017, após ouvir diversos relatos que indicavam períodos de exclusão, negação do direito à educação e violência doméstica compreendi que o tema Mulher continuava a ser um tema pertinente, era especialmente urgente promover uma reflexão sobre as histórias dessas mulheres, seu protagonismo na família ou na comunidade da qual fazem parte, uma reflexão em que as mulheres da EJA pudessem pensar sobre si mesmas. Resultado dessa relação direta e do exercício de ouvir atentamente esses sujeitos nasceu o projeto “Mulheres da EJA no museu: suas histórias, suas dores e seus valores”.
O projeto realizado esse ano propunha algumas ações (roda de conversa, roda de leitura, oficinas ministradas por estudantes/mulheres), entre essas, uma exposição de imagens fotográficas de mulheres da turma. O objetivo da exposição fotográfica era proporcionar que a mulher fotografada lançasse um olhar sobre ela mesma através do olhar do fotógrafo e notasse em sua imagem exposta suas histórias, suas dores e valores refletidos em sua imagem, para além, pudesse ouvir e ver as reações dos diferentes colegas da mesma unidade de ensino, e ao serem “avaliadas” por eles pudessem construir novas relações que impactassem positivamente em sua autoestima.
Quando, nos projetos desenvolvidos, há necessidades de profissionais com formações que não contamos na escola, contamos com o carinho e a boa vontade de amigos que gentilmente se sensibilizam e se colocam a disposição para ajudar. O projeto “Mulheres da EJA no museu: suas histórias, suas dores e seus valores” exigiu um fotógrafo já que a principal ação se tratava de uma exposição fotográfica, por isso, convidei uma amiga, educadora de museu, também fotógrafa nas horas vagas, colega de turma do curso de Pós-Graduação em Educação Museal, que gentilmente aceitou o convite e veio ao espaço escolar fotografar as mulheres da turma. Ao ler o projeto e compreender sua relevância ela propôs intermediar uma conversa com a Coordenação de Educação em Ciências do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) com o objetivo de que o referido museu pudesse através de uma parceria com a unidade escolar, receber a exposição fotográfica em seu espaço e desenvolver algumas ações com os sujeitos envolvidos.
No dia 29 de abril de 2017 o MAST inaugurou a exposição “Elas Juntas Aqui no MAST” e promoveu algumas ações para receber os sujeitos da EJA do CIEP Gregório Bezerra, onde atuo desde 2008. O caminho que percorri até o dia da inauguração dessa exposição tem a ver com o carinho de colegas que têm conhecido e abraçado o trabalho que venho desenvolvendo na EJA e que venho apresentando, seja por meio da página que temos na internet[3] ou eventos que tenho participado, acreditando na importância e relevância dele e disponibilizado seu tempo e esforços para contribuir de diferentes modos.

Imagens da exposição Elas Juntas Aqui no MAST.
As parcerias que venho desenvolvendo, enquanto professora da EJA, com diferentes museus são resultado de um compromisso que tenho assumido de contribuir com o acesso de estudantes da Educação de Jovens e Adultos à educação, em diferentes espaços, acreditando que esse esforço pode contribuir para ao construírem novas disposições[4], tenham condições reais de buscar um destino diferente do que em geral tem sido determinado[5] a eles, seja em matéria de acesso e permanência à educação ou de políticas públicas. Acredito que a mesma escola que aprofunda e conserva as desigualdades pode promover ações de reflexão, de debate, que insira os sujeitos em um movimento dialético que na medida em que pensa sobre si mesmo e sobre sua condição de vida, pense sobre o mundo do qual é parte e seja capaz, por meio desse movimento de reflexão, de construir saberes e relações que contribuam para que ele reconstrua sua história se assim desejar.
O diálogo estreito que venho estabelecendo com os museus tem sido exitoso porque, além de me predispor a uma busca constante pela formação, encontrar na minha caminhada amigos que acreditam e contribuem com o trabalho que realizado, também tenho me lançado enquanto educadora inconformada[6] nos desafios que me são impostos, acreditando que não apenas a minha prática em sala de aula é um reflexo da minha resistência, mas a minha insistência para ocupar ao lado dos sujeitos da EJA novos espaços, faz parte desse processo de luta!
[1]Professora do Programa de Educação de Jovens e Adultos da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, atualmente Mestranda em Educação (PUC-Rio), Especialista em Educação Museal (ISERJ/FAETEC, IBRAM/MINC) e Museóloga (UNIRIO).
[2] Para maiores detalhes sobre a parceria realizada com o Museu da República indico leitura do artigo Pelo Direito à EJA dentro dos Museus publicado recentemente nos anais do IX Seminário Internacional As Redes Educativas e as Tecnologias, promovido pela UERJ neste ano. Disponível em: http://www.seminarioredes.com.br/ixredes/index.php
[3] A página PEJA do Gregório, no facebook, é o espaço onde disponibilizo, assim como meus colegas da mesma unidade de ensino, o trabalho que temos desenvolvido em nosso CIEP.
[4]BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. Organizado por NOGUEIRA, Maria Alice.; CATANI, Afrânio. Ed. Vozes. Petrópolis. 2007. pp. 39-64.
[5] ARROYO, Miguel. A educação de jovens e adultos em tempos de exclusão. In: Construção coletiva: contribuições à educação de jovens e adultos. Brasília, DF: UNESCO, MEC, RAAAB, 2005a. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=655-vol3const-pdf&Itemid=30192>. Acesso em: jun. 2016.
[6] Parte da minha trajetória profissional foi contada recentemente pela página da MultiRio. Disponível em: http://www.multirio.rj.gov.br/index.php/leia/reportagens-artigos/reportagens/12140-d%C3%A9bora-lopes,-professora-do-peja.