de Hugues de Varine[1]
Santiago do Chile, 1972[2]
A museologia encontra o mundo moderno:
ou quem somos nós quarenta anos depois?
No final dos anos 50, a UNESCO tinha organizado irregularmente organizar "mesas redondas" da museologia em diferentes regiões do mundo: Rio (1958), Jos (1964), New-Delhi (1966), Bagdad (1967), etc. Em 1971, esta agência da ONU pediu ao ICOM para assegurar a elaboração de uma novo encontro, desta vez em Santiago do Chile, para profissionais de museus da América Latina. A reunião devia acontecer em maio 1972, duraria uns dez dias e se direcionava a uma dúzia de responsáveis por museus de diversos países, selecionados entre os mais dinâmicos e abertos a mudanças. O tema foi o papel dos museus no mundo contemporâneo. O hile, em plena experiência democrática sob a Unidade Popular de Salvador Allende, parecia um cenário particularmente favorável.
A principal missão do ICOM foi construir um programa e escolher os palestrantes. Voluntariamente, decidimos, com o acordo da UNESCO, mudar as regras do jogo e pedir a não-museólogos para falar aos museólogos sobre o mundo contemporâneo, sobre desenvolvimento. A principio, a assembleia do encontro deveria ser animada, ou "moderada", por Paulo Freire, o pedagogo brasileiro celebre por suas teorias e métodos de alfabetização conscientizante. Ele também prometeu considerar especialmente à uma nova concepção de museu como um instrumento ao serviço da libertação do homem e do desenvolvimento. Infelizmente, o regime militar brasileiro, que tinha expulsado Paulo Freire em 1954 após colocá-lo em prissão, deu seu veto a participação de tal personagem "subversivo" em uma reunião da UNESCO...
Em concordância com responsáveis de diversos setores da UNESCO, nós escolhemos quatro especialistas para tratar os seguintes temas: urbanismo, agricultura, tecnologia e educação; quatro temas que poderia resumir os principais aspectos do desenvolvimento da América Latina. E aconteceu que a pessoa escolhida para o urbanismo foi Jorge Henrique Hardoy, então professor do Institut0 Torquato di Tella de Buenos Aires, uma pessoa que não era conhecida do ICOM, mas que se revelou a escolha mais útil e que desempenhou o papel que foi originalmente planejado para Paulo Freire.
Observemos primeiro que, pela primeira vez, sem dúvida, em uma das reuniões periódicas da UNESCO, os especialistas convidados eram originários da própria região: habitualmente, eles eram escolhidos uniformemente na Europa ou na América do Norte e nem mesmo conheciam a região que deviam "evangelizar" museologicamente. Em Santiago, tantos os especialistas, como os participantes, eram atino-americanos, devotados ao desenvolvimento de seus países e de sua região. Os "estrangeiros", representante da UNESCO (Raymonde FRIN) e do ICOM (eu mesmo), eram observadores internacionais, sem direito à fala nos debates. Ademais, a única língua de trabalho da reunião era o espanhol, que nós não falávamos, nem um, nem o outro.
J. Hardoy, uma espécie de gênio da comunicação, além de sua competência profissional, se pôs durante um dia e meio a explicar aos museólogos sobre suas próprias cidades, os problemas de seu próprio desenvolvimento, de seu crescimento, de seu futuro, etc. Isto provou que os especialistas de ciências humanas, vivendo e trabalhando nas capitais como responsáveis das principais instituições culturais e científicas, muitas vezes com um forte engajamento político e social, poderiam não saber nada de seu próprio ambiente comunitário e social. O choque psicológico e intelectual foi tal que os participantes, após a partida de J. Hardoy, formaram espontaneamente um comitê de redação de uma declaração, a qual deu origem à noção de "museu integral".
Na própria América Latina, a reunião em Santiago não teve muitos resultados concretos imediatos para os museus: o conservadorismo do meio e pôs boa ordem. Contudo, no México nas experiências da "casa do museu", nos museus locais, escolares e mais recentemente comunitários, permanece o conceito de museu integral. E, é certo que muitos museólogos na América Latina e em outros lugares, refletiram e continuaram a refletir segundo as mesmas diretrizes.
Em 1992, a UNESCO, cujo Diretor-Geral Adjunto, Hernan Crespo Toral, um ex-participante de Santiago, organiza em Caracas uma reunião de vigésimo aniversário. Os princípios do museu integral foram recolhidos e desenvolvidos com um grande entusiasmo em uma nova declaração. Note-se que este mesmo ano viu ocorrer a Cúpula da Terra no Rio de Janeiro e o primeiro encontro internacional dos ecomuseus. Na verdade, é desse período que data o começo da expansão dos ecomuseus e dos museus comunitários, não somente na América Latina, mas também em numerosos países do mundo. Estamos agora há quarenta anos de Santiago, e vinte anos depois de Caracas. O caminho percorrido é considerável. Testemunhou a criação do MINOM em 1984, seguido de vários ateliês internacionais por "novos museólogos", mais recentemente os quatro encontros internacionais dos ecomuseus e dos museus comunitários organizados no Brasil, a criação e atividade da União dos museus comunitários no México e em seguida em toda a América Latina; o aumento dos ecomuseus, frequentemente agrupados em redes, como no próprio Brasil (com a ABREMC), na Noruega, no Canadá, no Japão na China e, principalmente, na Itália (Mondi Locali).
Existe agora uma importante literatura, teses, livros teóricos,estudos de caso, artigos, páginas web. O mundo dos ecomuseus está instalado a par de outras grandes redes culturais de museus, bibliotecas e arquivos. Ele adquiriu legitimidade e faz a ponte entre o patrimônio e o desenvolvimento econômico e social dos territórios. Observador externo destes quarenta anos, eu retirei algumas lições, que resultam diretamente da intuição de Santiago:
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nós podemos dizer que o ecomuseu, em muitos países, tem retomado e aprofundado pela prática o espírito de Santiago;
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o melhor museu é aquele que está ao serviço de seu território, das comunidades, de seu "meio" natural e social; é aquele que é elaborado, animado, gerido pelos seus próprios interesses;
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a museologia, enquanto disciplina profissional, implica numerosas outras disciplinas, tanto das ciências humanas, naturais e exatas, bem como das tecnologias modernas de comunicação;
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o ecomuseu é agora um termo que, junto de museu comunitário, define a diversidade de formas que toma esta nova museologia de desenvolvimento; atingiu uma espécie de maturidade institucional, mesmo que assuma formas diferentes segundo os contextos e os objetivos que se dê;
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para seus praticantes ainda existe muito por lutar e conquistar: o ecomuseu não é reconhecido por muitas leis e sistemas nacionais, seus profissionais não são ainda realmente ainda admitidos no meio dos especialistas de museus e de patrimônio, o desenvolvimento sustentável não toma ainda suficientemente em conta o patrimônio comum como um recurso futuro.
[1]Hugues de Varine é consultor em patrimônio comunitário e desenvolvimento local, foi também diretor do Conselho Internacional dos Museus, de 1965 a 1974.